O <i>massacre de Aljustrel</i> foi há 50 anos

Gustavo Carneiro

No dia 28 de Abril de 1962, em Al­jus­trel, o fas­cismo voltou a matar, como o fez tantas vezes antes e de­pois deste dia. As ví­timas foram dois mi­neiros – An­tónio Adângio, 27 anos, mi­li­tante do PCP; e Fran­cisco Ma­deira, de 45 anos – va­rados por ra­jadas de me­tra­lha­dora da GNR. No Avante! da pri­meira quin­zena de Maio as­si­nala-se o su­ce­dido numa breve no­tícia in­ti­tu­lada Mas­sacre em Al­jus­trel, mas é na edição se­guinte, da se­gunda quin­zena do mesmo mês, que se re­lata por­me­no­ri­za­da­mente estes acon­te­ci­mentos.

Ao prin­cípio da noite, conta o Avante!, a PIDE e a GNR «as­sal­taram Al­jus­trel pren­dendo 15 pes­soas» e a po­pu­lação da vila, ao saber do su­ce­dido, di­rigiu-se ao posto da GNR, pro­tes­tando. «Cerca de 300 pes­soas, ho­mens, mu­lheres e cri­anças, iam re­clamar a li­ber­tação dos seus con­ter­râ­neos. Nas ruas gri­tavam: “Ban­didos! As­sas­sinos! Viva Del­gado! Viva Álvaro Cu­nhal! Li­ber­dade!” Ao seu en­contro surgiu uma força da GNR, com me­tra­lha­doras, co­man­dada por um te­nente e um sar­gento. A GNR não mandou dis­persar nin­guém. O te­nentre gritou logo: “Fogo!” Ime­di­a­ta­mente o sar­gento Ca­vaco fez ra­jadas de me­tra­lha­dora» ma­tando An­tónio Adângio e, poucos se­gundos de­pois, Fran­cisco Ma­deira.

Não sa­tis­feitos, os sol­dados da GNR «lan­çaram-se ce­ga­mente a fazer ra­jadas de me­tra­lha­dora sobre o povo. As ruas foram var­ridas com ra­jadas. Em todas as es­quinas fa­ziam fogo. As pa­redes fi­caram cri­vadas de balas. Os guardas avan­çavam tão cegos que muitos ma­ni­fes­tantes fi­cavam es­con­didos nas om­breiras das portas e não eram vistos.»

Para além dos dois mi­neiros mortos, essa fúria as­sas­sina fez mais ví­timas. A no­tícia pros­segue re­la­tando que «numa rua se­guia Ana Cor­reia com dois fi­lhos, uma me­nina de 8 anos e outro mais velho. A GNR fez sobre eles uma ra­jada de me­tra­lha­dora, caindo a mãe e o filho gra­ve­mente fe­ridos, fi­cando a me­nina com a roupa fu­rada de balas. En­con­tram-se em es­tado grave no hos­pital. O mesmo acon­teceu a Fran­cisca da Luz e An­tónia Mestre. De­zenas de pes­soas fi­caram fe­ridas». Para o Avante!, uma coisa era certa: «Se o povo não fu­gisse para dentro das casas e es­ta­be­le­ci­mentos teria ha­vido muitos mortos.»

Acu­sando a PIDE de, a partir do posto da GNR, co­mandar toda a re­pressão, o Avante! de­nun­ciava ainda a in­di­fe­rença com que os sol­dados pas­savam pelos fe­ridos sem os au­xi­li­arem. «Foi o povo que os le­vantou e so­correu.» En­quanto a GNR «an­dava aos tiros na rua, a PIDE fugiu com os 15 presos para Beja, donde os levou para Lisboa». A no­tícia do Avante! ter­mina com uma re­fe­rência aos fu­ne­rais de An­tónio Adângio e Fran­cisco Ma­deira – re­a­li­zados à pressa, à hora de mu­dança de turno na mina, com a es­trada fe­chada por 30 sol­dados e sem que a pró­pria fa­mília dos mi­neiros as­sas­si­nados pu­desse estar pre­sente.

 

Um grande 1.º de Maio

 

As pri­sões e os as­sas­si­natos de 28 de Abril em Al­jus­trel estão li­gados com a pre­pa­ração da­quele que seria, por todo o País e também no Alen­tejo, um gran­dioso 1.º de Maio – que Álvaro Cu­nhal, no Rumo à Vi­tória, des­cre­veria como «uma das mai­ores, se não a maior jor­nada de luta an­ti­fas­cista desde o ad­vento da di­ta­dura e a maior vi­tória de sempre do Par­tido Co­mu­nista na mo­bi­li­zação das massas po­pu­lares para uma jor­nada po­lí­tica». Nesse mesmo dia re­a­li­zara-se na vila mi­neira um grande co­mício pre­pa­ra­tório do 1.º de Maio e a PIDE e a GNR, com a prisão de al­guns dos que nele par­ti­ci­param com maior des­taque, es­pe­ravam conter a mo­bi­li­zação po­pular.

O mesmo acon­teceu nou­tros lo­cais. No dia 27 de Abril às duas da manhã, a GNR varreu a vila do Couço, jun­ta­mente com a PIDE, le­vando presas 15 pes­soas. Uma mu­lher acabou por morrer ao as­sistir à prisão do genro. Em Grân­dola, no mesmo dia 27, a PIDE, a GNR e a PSP es­ta­be­le­ceram um «ver­da­deiro es­tado de sítio» (como re­fere o Avante! da se­gunda quin­zena de Maio) e em Er­midas a terra foi ocu­pada no dia 29, tendo ocor­rido vá­rias pri­sões.

Desde fi­nais de 1961 que se as­sistia a um re­cru­descer da luta po­pular. As ma­ni­fes­ta­ções desse mesmo mês em vá­rias lo­ca­li­dades do País cons­ti­tuíram, se­gundo Álvaro Cu­nhal re­fere na mesma obra, um «ponto de vi­ragem no mo­vi­mento de­mo­crá­tico». Com a «re­pressão brutal contra as can­di­da­turas da Opo­sição e com a farsa “elei­toral” de 1961, caíram por terra as ilu­sões cons­ti­tu­ci­o­nais que pu­desse ainda sub­sistir. As massas po­pu­lares com­pre­en­deram que não havia mais que “es­perar uma aberta” de novas “elei­ções” al­guns anos mais tarde».

O ano de 1962 ini­ciou-se com a luta po­pular a crescer. O 1.º de Maio seria um ponto alto de toda esta mo­bi­li­zação.



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